sábado, 27 de outubro de 2012

Profanação



A redoma de vidro quebrou-se facilmente ao tocar o chão duro e escorregadio da sala escura e gélida naquela manhã chuvosa de fevereiro. Há muito tempo guardada dentro do vidro a imagem santa da menina rompeu um silencio sepulcral que a envolvera durante longos meses ali. Se pudesses prever o futuro com certeza não trilharia aquele caminho a partir daquela fatídica manhã sombria. Mas, não temos o dom de adivinhar o futuro e nem de reescrevê-lo. Da forma que está traçado ele cumprirá sua função de sacudir a mente humana e transformá-la em seu súdito.

Uma força sobre humana a empurrou para fora e aplausos soaram como se aquilo fosse uma boa coisa acontecendo. Mal sabiam os presentes que o destino tinha lhe traçado caminhos espinhosos e que sangue correria de suas veias incessantemente. Fagulhas de sofrimento e dor a faria chorar todas as noites. Nem mesmo o brilho das estrelas poderia ser apreciado pelos seus olhos inocentes e singelos.

Envolta em mistérios ela começou sua caminhada e logo descobriu que as situações da vida a deixaria sempre inconformada. Seu modo de pensar, suas atitudes sempre iam à contramão de seus semelhantes. E isso a fez sofrer cotidianamente. Silenciosa e solitária buscava uma forma de não profanar seus ideais.

Mas aquilo foi uma profanação. Taparam sua boca. Amordaçaram suas idéias e apagaram suas esperanças. Tudo que ela havia planejado para sua vida foi sorrateiramente tirado dela. Até o seu sorriso foi levado pelo vento da maldade e ela se viu mais uma vez prisioneira de seu cruel destino.

Quantas primaveras já se passaram. Quantos fevereiros em sua vida sofrida ainda vão se apresentar? Será ela capaz de suportar tamanho sofrimento em sua longa caminhada? Os poucos momentos de alegria que esporadicamente surgem em sua vida são subitamente dissipados pelos longos momentos de frustrações, decepções e ilusões que a cerca constantemente.

Seus olhos já não conseguem esconder suas angustias e deixam-se revelar nas lágrimas que insistem em rolar na sua face já cansada da vida. Algumas pessoas são destinadas a sofrerem mais que outras. E isso não é uma escolha.

Se fosse hoje aqueles aplausos não seriam ouvidos e sim o triste lamento por uma vida que carrega em si uma sina cruel de existir para sofrer. Nem mesmo a liberdade de escolha lhe é garantida e confiável. Sabe que tens a obrigação de trilhar esse caminho. Só não sabe como vai conseguir. No entanto, pela sua força e coragem tem superado cada dia mal e no sorriso das crianças que a admira vai vencendo essa tristeza.

Ela segue o seu destino como se ainda estivesse presa na redoma de vidro. Na verdade, ela ainda é prisioneira da redoma de vidro. Suas palavras, seus atos são como se não pudesse fazer muita coisa para mudar o mundo. Chora por ver a miséria de vidas ao seu redor que preferem caminhar sem expectativas e sem sentido. Gostaria de ajudá-los, mas eles mesmos não querem ajuda nenhuma e sim continuar sua existência dessa forma.

Texto: Odair

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