segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Deus nos livre de um Brasil evangélico





Começo este texto com uns 15 anos de atraso. Eu explico. Nos tempos em que outdoors eram permitidos em São Paulo, alguém pagou uma fortuna para espalhar vários deles, em avenidas, com a mensagem: “São Paulo é do Senhor Jesus. Povo de Deus, declare isso”.

Rumino o recado desde então. Represei qualquer reação, mas hoje, por algum motivo, abriu-se uma fresta em uma comporta de minha alma. Preciso escrever sobre o meu pavor de ver o Brasil tornar-se evangélico. A mensagem subliminar da grande placa, para quem conhece a cultura do movimento, era de que os evangélicos sonham com o dia quando a cidade, o estado, o país se converterem em massa e a terra dos tupiniquins virar num país legitimamente evangélico.

Quando afirmo que o sonho é que impere o movimento evangélico, não me refiro ao cristianismo, mas a esse subgrupo do cristianismo e do protestantismo conhecido como Movimento Evangélico. E a esse movimento não interessa que haja um veloz crescimento entre católicos ou que ortodoxos se alastrem. Para “ser do Senhor Jesus”, o Brasil tem que virar “crente”, com a cara dos evangélicos. (acabo de bater três vezes na madeira).

Avanços numéricos de evangélicos em algumas áreas já dão uma boa ideia de como seria desastroso se acontecesse essa tal levedação radical do Brasil.

Imagino uma Genebra brasileira e tremo. Sei de grupos que anseiam por um puritanismo moreno. Mas, como os novos puritanos tratariam Ney Matogrosso, Caetano Veloso, Maria Gadú? Não gosto de pensar no destino de poesias sensuais como “Carinhoso” do Pixinguinha ou “Tatuagem” do Chico. Será que prevaleceriam as paupérrimas poesias do cancioneiro gospel? As rádios tocariam sem parar “Vou buscar o que é meu”, “Rompendo em Fé”?

Uma história minimamente parecida com a dos puritanos provocaria, estou certo, um cerco aos boêmios. Novos Torquemadas seriam implacáveis e perderíamos todo o acervo do Vinicius de Moraes. Quem, entre puritanos, carimbaria a poesia de um ateu como Carlos Drummond de Andrade?

Como ficaria a Universidade em um Brasil dominado por evangélicos? Os chanceleres denominacionais cresceriam, como verdadeiros fiscais, para que se desqualificasse o alucinado Charles Darwin. Facilmente se restabeleceria o criacionismo como disciplina obrigatória em faculdades de medicina, biologia, veterinária. Nietzsche jazeria na categoria dos hereges loucos e Derridá nunca teria uma tradução para o português.

Mozart, Gauguin, Michelangelo, Picasso? No máximo, pesquisados como desajustados para ganharem o rótulo de loucos, pederastas, hereges.

Um Brasil evangélico não teria folclore. Acabaria o Bumba-meu-boi, o Frevo, o Vatapá. As churrascarias não seriam barulhentas. O futebol morreria. Todos seriam proibidos de ir ao estádio ou de ligar a televisão no domingo. E o racha, a famosa pelada, de várzea aconteceria quando?

Um Brasil evangélico significaria que o fisiologismo político prevaleceu; basta uma espiada no histórico de Suas Excelências nas Câmaras, Assembleias e Gabinetes para saber que isso aconteceria.

Um Brasil evangélico significaria o triunfo do “american way of life”, já que muito do que se entende por espiritualidade e moralidade não passa de cópia malfeita da cultura do Norte. Um Brasil evangélico acirraria o preconceito contra a Igreja Católica e viria a criar uma elite religiosa, os ungidos, mais perversa que a dos aiatolás iranianos.

Cada vez que um evangélico critica a Rede Globo eu me flagro a perguntar: Como seria uma emissora liderada por eles? Adianto a resposta: insípida, brega, chata, horrorosa, irritante.

Prefiro, sem pestanejar, textos do Gabriel Garcia Márquez, do Mia Couto, do Victor Hugo, do Fernando Moraes, do João Ubaldo Ribeiro, do Jorge Amado a qualquer livro da série “Deixados para Trás” ou do Max Lucado.

Toda a teocracia se tornará totalitária, toda a tentativa de homogeneizar a cultura, obscurantista e todo o esforço de higienizar os costumes, moralista.

O projeto cristão visa preparar para a vida. Cristo não pretendeu anular os costumes dos povos não-judeus. Daí ele dizer que a fé de um centurião adorador de ídolos era singular; e entre seus criteriosos pares ninguém tinha uma espiritualidade digna de elogio como aquele soldado que cuidou do escravo.

Levar a boa notícia não significa exportar uma cultura, criar um dialeto, forçar uma ética. Evangelizar é anunciar que todos podem continuar a costurar, compor, escrever, brincar, encenar, praticar a justiça e criar meios de solidariedade; Deus não é rival da liberdade humana, mas seu maior incentivador.

Portanto, Deus nos livre de um Brasil evangélico.

Ricardo Gondim

http://estradainfinita.blogspot.com/2011/02/deus-nos-livre-de-um-brasil-evangelico.html

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Vida social



Indago-me se minha compreensão é assim tão limitada a ponto de não compreender o que se passa a minha volta.

Livros e mais livros são escritos.

Estão expostos nas livrarias e combatem a mediocridade, mas de nada resolvem. O povo continua caminhando como ovelhas ao matadouro. São vitimas fatais do sistema que os sugam sem piedade.

Não tenho uma vida social.

Não tenho amigos. Tenho mais facilidade em fazer amizade com as mulheres. No entanto, por duas razões não compartilho minha amizade com elas. Primeiro porque quando me sinto atraído não hesito em conquistá-las. Por outro lado, em respeito à pessoa que esta ao meu lado, não posso fazer isso. Tenho uma ética que me persegue e controlo meus impulsos. Os homens só pensam em farrear, beber e zuar a mulherada. Não se preocupam com a construção de uma vida mais digna. Detesto esse modelo de vida centrado no hoje.

Gostaria de ser um boêmio. Sair à noite sentar-me em um bar. Beber uma cerveja e olhar o ambiente. Mas isso me irrita. Contemplo muita mediocridade nisso. Pessoas completamente desinteressantes ocupam esses ambientes. Outras vezes gostaria de ser um ermitão. Sentar-me solitário no meio da floresta e observar os pássaros e insetos na sua constante rotina. Mas isso também me irrita.

Sou feliz. Por mais que as coisas estejam fora de controle e parecem desabar não me incomodo. Amanha será um novo dia. A cor verde da esperança me acompanha. Não temo a morte e nem o perigo. Afinal, que graça teria a vida se a morte não nos espreitasse a todo instante e em todas as esquinas?

Sou a voz que clama na solidão.

Seu lindo olhar me fascina a todo instante. Apaixono-me todas as vezes que os vejo e sinto saudades quando não os contemplo. O brilho deles ilumina meu caminhar.
Sentei-me na praça e observei as pessoas caminhar. No horizonte distante o sol se esconde atrás das nuvens e apresenta um lindo entardecer. Vejo as pessoas sentadas no calçadão à espera de mais uma noite de diversão. Um ancião solitário. Uma criança a correr solto ao vento. Um dia aquele ancião correu como aquela criança. Um dia aquela criança estará solitária como aquele ancião. O inverno passou. Não sinto mais frio.

Vida social. Isso não é para mim.

Texto: Odair

domingo, 6 de fevereiro de 2011

O Grande Irmão de olho em você


O Big Brother observa a todos, controlando os movimentos das pessoas e dizendo o que elas devem ou não fazer. As informações são manipuladas, influenciando o comportamento dos habitantes. A prática do sexo tem suas limitações, salvo que se consiga escapar das câmeras. O alimento deve ser racionalizado. Os vigilantes, de uma forma geral, ficam felizes com os índices atingidos, bem como os que detêm o comando, apesar de os números poderem ser facilmente manipulados para alcançar resultados favoráveis. Além de tudo isso, por qualquer motivo, as pessoas correm o risco de serem eliminadas

Esse quadro não se refere a nenhum reality show que faz sucesso atualmente na televisão brasileira, mas sim ao romance 1984, do britânico George Orwell (1903-1950), cuja reedição a Companhia das Letras lançou recentemente, com tradução de Alexandre Hubner e Heloisa Jahn.

Quando Orwell o escreveu, em 1948, pipocavam em diversas partes do mundo governos totalitários – comunistas ou fascistas – cuja manutenção do poder se dava a partir de um aparato de controle sobre todos os atos dos cidadãos. Ele imaginou, a partir de observações dessa realidade, como seria o mundo 36 anos depois.

Numa guerra aparentemente interminável, três grandes blocos – a Oceânia, a Eurásia e a Lestásia – lutam para dominar o restante do planeta. Winston Smith trabalha no Ministério da Verdade da Oceânia. Sua função é apagar e reescrever informações publicadas em jornais de acordo com o interesse do Socing, o Partido que detém o poder, cujo líder é conhecido como o Grande Irmão. Cartazes com o rosto do líder estão por toda parte: “bigodes pretos e feições rudemente graves (...) uma dessas pinturas realizadas de modo a que os olhos o acompanhem sempre que você se move. O GRANDE IRMÃO ESTÁ DE OLHO EM VOCÊ”. As teletelas, presentes também em todo o lugar, além de transmitirem programas de entretenimento, servem como câmeras que vigiam o interior das casas. Há também pequenos helicópteros da “patrulha policial, bisbilhotando pelas janelas das pessoas.” Winston começa a questionar a tudo isso escrevendo um diário, mas é o envolvimento proibido dele com uma mulher o estopim que o levará a ser preso, torturado e, através de uma lavagem cerebral, será obrigado a voltar a obedecer aos ditames do Partido.

No posfácio escrito em 1961, o psicanalista e filósofo Erich Fromm afirma que 1984 é uma advertência: “a menos que o curso da história se altere, os homens do mundo inteiro perderão suas qualidades mais humanas, tornar-se-ão autômatos sem alma, e nem sequer terão consciência disso.” De certa forma, a “profecia” aconteceu. Somos vigiados 24 horas: há câmeras seguindo nossos passos em estabelecimentos comerciais, repartições públicas e até mesmo nas ruas. Se estivermos em casa acessando a internet, cada site visitado pode ser facilmente rastreado pelo provedor, assim como as webcams podem expor a intimidade para outros internautas. Além disso, acreditamos em um Grande Irmão no céu que julga nossos atos.

O que nos sobra, no entanto, é resistir. E os livros, como o romance 1984, são instrumentos importantes dessa rebeldia, pois eles provocam no ser humano a capacidade de pensar por si mesmo. E é o nosso próprio pensamento o melhor Grande Irmão que temos.

(Cassionei Niches Petry é professor e escreve quinzenalmente para o Mix do jornal Gazeta do Sul. Vale a pena dar uma “espiadinha” no seu blog: cassionei.blogspot.com.)
Cassionei Niches Petry
Publicado no Recanto das Letras em 02/02/2011
Código do texto: T2767054

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Libertadores? Quando nos libertar dessa idéia.



Eu era fanático pelo Corinthians. Muito mesmo. Eu arrumava bandeiras, enfeitava meu quarto com fotos e pôster do Timão todas as vezes que ele ia jogar. Meu caderno era do Corinthians, meu chaveiro também, entre outros objetos. Mas isso faz muito tempo. Fiquei internado em um hospital por 28 dias e quase morri. Mesmo assim vibrava e torcia pelo Corinthians. Meu pai paga na minha idéia até hoje. Em meados de 97 me preparei para um jogo importante do Corinthians. Ia jogar contra o Grêmio de Porto Alegre em casa e tinha tudo para passar de fase. Bomba! Levou de três e então me decepcionei. Nunca mais perco meu tempo com futebol. Pensei. Chorei de raiva. Rasguei minha camisa e fiquei dias em estado de indignação com essa situação.

Mudei bastante o meu modo de ver e torcer pelo meu time. Assistia aos jogos mais importantes e quando não tinha outra coisa interessante para fazer. Mas o amor pelo Timão sempre existiu. Visto a camisa pelo menos duas vezes na semana e meu filho é corintiano.

Ontem assisti ao jogo e torci. Sabia que se fossemos eliminados pelo Tolima seriamos bombardeados pelos nossos adversários. E foi exatamente o que aconteceu. Recebi dezenas de ligações e torpedos com gozações dos meus colegas flamenguistas, são paulinos entre outros. No entanto, tudo isso passa. Daqui a pouco estamos com outro objetivo e bola pra frente.

Como torcedor, e essa é minha opinião, o Corinthians só não ganha a Libertadores porque existe essa idéia de que precisa ganhar a Libertadores de qualquer jeito. Isso é mentira. Não precisa. E quando for assim ele vai ganhar.

O Corinthians é grande e maior do que uma Libertadores.

Texto: Odair