sábado, 20 de julho de 2013

O Homem de Aço



A invasão dos quadrinhos no cinema foi implacável e, ironia, os bons resultados financeiros acabaram se tornando uma espécie de vilão. Com eles, o universo da sala escura parece ter ficado reduzido a uma explosão de cores e histórias, nem sempre, fáceis de entender ou atraentes para o espectador que não praticou o virar das páginas de um gibi. Aí, veio o pulo do gato: entregar filmes "destes mundos" com tramas envolventes e inteligíveis, conquistando multidões. Nem todos conseguem (existem grandes fiascos), mas tem uma turma aí que já pegou a manha e tem gente deste time em O Homem de Aço.

 Em um planeta distante, o pai (Russell Crowe) de uma criança resolve salvá-la de um apocalipse e programa o envio dela para a Terra, levando consigo uma importante herança genética do seu povo, embora o frio General Zod (Michael Shannon) não se conforme com essa decisão. Já em seu novo lar, criado por pais "adotivos" (Kevin Costner e Diane Lane), a criança cresceu. Mas Clark (Henry Cavill) tornou-se um homem preocupado, principalmente, com suas origens e seu verdadeiro destino. Até que este passado retorna na figura de Zod, ainda mais poderoso, e o futuro da humanidade vai depender do confronto entre essas duas forças.

Caso você ainda não tenha sacado, o herói em questão é o bom e velho Super-Homem, repaginado, com novo intérprete, nova (e alucinante) roupa, mas com dilemas comuns ao mais reles dos mortais, do tipo "de onde venho, quem sou eu?". Escrito por David S. Goyer (Batman - O Cavaleiro das Trevas), o roteiro capricha nas explicações, é extremamente didático e isso não é demérito, pois é o que permite aos não iniciados um melhor entendimento. Agora, se os fãs das revistas vão curtir, aí já são outros quinhentos. Vão achar muito blábláblá, dizer que não foi fiel a isso ou aquilo... Porém, esquecem esses notáveis leitores (e são!), que uma adaptação é - e sempre será - uma versão e, como tal, poderá fazer uso de licenças para "sobreviver" em outro "meio". Aliás, licenças não faltam nas páginas coloridas da imaginação.

Com um discurso ecologicamente correto bem claro, bons diálogos ("Se você ama tanto essas pessoas, pode chorar a morte delas.") e efeitos especiais de cair o queixo, essa produção de Christopher Nolan sob a batuta de Zack Snyder tem elementos de sobra para conquistar o grande público. Desde boas atuações do elenco já citado até o auxílio luxuoso de coadjuvantes de peso (Amy Adams e Laurence Fishburne), além de um merecido destaque para Antje Traue e Christopher Meloni, que profere a emocionante frase: "Esse homem não é nosso inimigo".

Pra fechar a tampa, a trilha do premiado Hans Zimmer faz uma senhora cozinha para os quitutes pow!, bam!, tum! ganharem forma nas sequências insanas (quase intermináveis) de pancadaria entre o herói e seus algozes. A destruição, aliás, é grande e sem o menor pudor de deixar evidente a escola Michael Bay e Roland Emmerich, remetendo também a um momento do arrasa quarteirão Os Vingadores (2012). Assim, não é um pássaro... não é um avião... é um super filme (poderia ser mais curto), cuja missão de proteger o entretenimento foi plenamente garantida. Para o bem dos simples mortais, como o autor dessas mal traçadas linhas, e para o mal daqueles que defendem a ideia de que deveria ser fiel ao original blábláblá... Agora, é contigo mesmo!

Roberto Cunha

http://www.adorocinema.com/filmes/filme-123348/criticas-adorocinema/

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Cinema e Televisão



Num meio-dia de fim de primavera Fernando Pessoa teve "um sonho como uma fotografia". Até o século dezenove sonhava-se como pintura. A fotografia tornou-se a mais convincente representação da realidade. Muita gente disse, cedo demais, que a pintura não lhe iria sobreviver. A aparente neutralidade da máquina e a perfeita representação visual de uma fração de segundo estabeleceram os novos padrões da ilusão. Até surgir o cinema.

Muita gente disse, cedo demais, que o século vinte foi o século do cinema. Ainda hoje podemos imaginar o espanto provocado pelas imagens em movimento. O Jornal do Comércio de 9 de julho de 1896 registra com assombro a primeira projeção de cinema no Rio de Janeiro, com sua imagens "nítidas, firmes, acusando-se em um relevo extraordinário, dando magnífica impressão de vida real. O espetáculo é curioso e merece ser visto". Todo mundo foi ver e era ver para crer. Mudando todos os costumes, exportando idéias e padrões de consumo, o cinema reinou absoluto na primeira metade do século. Até surgir a televisão.

Muita gente disse, sempre cedo demais, que a televisão terminaria com o cinema. Como competir com o caleidoscópio de imagens que invadia todas as casas? A televisão se apoderou da linguagem audiovisual, com sua "magnífica impressão de vida real" e, melhor, ao vivo! A televisão transformou o espectador em testemunha.

A pintura sobreviveu, não como escrava do real mas quase como seu oposto. O ponto de vista único do artista, representado em forma e cor, continua surpreendendo seis séculos depois de Giotto. A fotografia sobreviveu ao cinema, e o cinema à televisão. As formas que o homem inventa para criar ilusão, para compartilhar suas visões de mundo, seus medos e desejos, se transformam e se aglutinam. Procriam, mas não se desinventam. Na arte, que é tudo que a natureza não é, também nada se perde.

Muita gente ainda fala, tarde demais, das diferenças entre a linguagem cinematográfica e televisiva. São a mesma linguagem, com os mesmos signos, a mesma força da fotografia, a mesma ilusão de volume provocada pelas imagens que se movem em planos sobrepostos, música, palavras, luz e movimento. A diferença não está na linguagem em que se constrói a narrativa no cinema ou na televisão e sim na maneira como uma e outra são apreendidas. A diferença não é como se faz mas sim como se vê. Uma sala iluminada apenas pelas imagens que por algum tempo numa grande tela se movimentam, sem que sobre elas tenhamos qualquer controle, é cinema. Uma pequena tela se esforçando para chamar atenção o tempo que for possível, sempre e enquanto nós deixarmos, é televisão.

É natural que a diferença de atenção do público de cinema e de televisão provoquem diferentes usos da mesma linguagem. O cinema, como disse Jean Claude Carriére, "ama o silêncio". A sensação de ver, numa grande tela, no escuro, é mais que suficiente para causar encantamento. A televisão odeia o silêncio. A imagem na televisão precisa constantemente da muleta do som e quase sempre da palavra. Não basta mostrar a faca, é preciso dizer, "Olhe, uma faca! Aqui! Na mesinha da sala, ao lado do vaso, está vendo? É uma faca! Não mude de canal! Não desligue, por favor!" A televisão não cala a boca. O cinema é um pescador, joga sua isca no meio do lago e espera pacientemente que a vítima deixe o seu refúgio entre os juncos, estacione o carro e compre ingressos. A televisão vai a caça, busca o tatu na toca enfiando-lhe o dedo onde for preciso.

Desde o momento em que alguém tem a idéia para um filme até que você o veja na tela de um cinema passam-se muitos anos. Tudo que chega ao filme foi visto muitas vezes por muitas pessoas. Você vê um filme sabendo que nada está ali por acaso. Na televisão tudo pode acontecer. Mesmo um filme na televisão pode ser interrompido a qualquer momento pela queda de um ministro ou de um avião. Televisão é sempre ao vivo.

Tem gente dizendo, cedo demais, que o século vinte um será da internet. A estréia é boa: a internet trouxe o texto de volta ao dia-a-dia de milhões de pessoas e só isso já é mais que suficiente para que seja recebida com vivas e tapinhas nas costas. Os e-mails anunciam uma nova era epistolar e quem quiser diz o que quer a quem quiser ouvir. Na internet a tela também é câmera.

Sentindo escapar do seu controle os meios de produção de imagens e informações, os doninhos de sempre se apoderam cada vez mais da mídia. Você pode até clicar suas imagens por aí mas só consegue mostrar para muita gente pagando pedágio para o distribuidor do filme/livro/programa de tv/site. Os donos da mídia estão cada vez mais no poder. Mas o século ainda nem começou. A luta continua.

Texto: Jorge Furtado

http://www.nao-til.com.br/nao-74/furtado2.htm