segunda-feira, 20 de abril de 2009

A FIGUEIRA


Do alto da figueira consegui observar que não havia movimento algum nas ruas da cidade. As pessoas dormiam. Apenas quatro jovens sem juízo perambulavam pelas ruas. Na verdade, tinham planejado um audacioso roubo naquela noite aproveitando que nada de diferente acontecia naquela pequena cidade no interior de Mato Grosso. O mercado do Batista era um estabelecimento comercial que ficava ao lado de uma das duas farmácias da cidade. Na frente do mercado erguia-se uma centenária figueira. Frondosa e aconchegante ela era o descanso de muitos durante os dias de sol quente. Seus enormes galhos cheios de folhas ofereciam sombra e descanso. Teve um dia em que vi um bêbado caído debaixo dela. Junto a ele estava umas laranjas que ele tinha comprado ou ganho de alguém. Passei e peguei o pacote de laranjas. Sacanagem. Não devia ter feito isso.
Durante a noite alguns casais aproveitavam para namorar embaixo da figueira que ofuscava ainda mais a fraca luz do poste próximo.A idéia tinha partido do mais novo. Vamos roubar o mercado Batista. Disse ele na reunião. Reuníamos quase todos os dias em uma cabana que havíamos construído nos arredores da cidade dentro da floresta e as margens de um riacho que por ali passava.
Naquelas reuniões falávamos de tudo um pouco e, volta-e-meia saia algumas pérolas que analisávamos para colocar em prática.
Houve uma vez em que fizemos umas máscaras de câmara de ar de pneus usados que pegamos em uma borracharia e fomos pra rua assustar as pessoas que vinham de noite da escola. Durante alguns dias fizemos muitas pessoas, principalmente as mulheres, correrem bastante. Algumas gritavam como loucas quando saiamos de dentro do mato com as máscaras e fazendo barulho. Paramos só no dia (ou noite) em que fomos assustar dois homens que desciam pela avenida principal e um deles arrancou uma arma e apontou para nós. Vocês irão morrer, seus desgraçados! Enfiamos no mato numa velocidade incrível e resolvemos parar com isso.
A idéia consistia na seguinte organização. Um de nós subiria na figueira e ficaria de olho no movimento. Um ficaria embaixo na porta do mercado enquanto um ficaria no telhado e outro desceria dentro do mercado. Encheria um embornal que fizemos de mercadoria: bolachas, leite condensado, leite ninho, achocolatados e outras coisas que surgissem na hora. Também olharia o caixa para ver se tinha algum dinheiro. Essas coisas seriam para suprir a cabana com alguns materiais de consumo.
Olhava atentamente, ora a parte de cima, ora a parte de baixo da rua, para me certificar de que nada atrapalhasse o nosso plano. Mas, tinha quase certeza que nada aconteceria. O povo daquela cidade dormia cedo e depois da meia-noite era quase impossível encontrar uma alma vivente andando pelas ruas. O colega que estava no telhado já havia descido boa parte de coisa para o que estava embaixo quando ouvimos um barulho enorme dentro do mercado.
O coração disparou. Desci como um foguete e junto com o que estava no telhado e o que estava do lado de fora corremos para um matagal a dois quarteirões abaixo e escondemos os produtos adquiridos naquela empreitada, enquanto esperávamos saber alguma novidade do nosso colega.Uma dúvida cruel perpassava a nossa cabeça. O que havia acontecido? Esperamos alguns minutos e então resolvemos levar os produtos para a cabana. Ficamos por lá até o dia amanhecer.
Cidade pequena sabe como é. Nas primeiras horas do dia já sabíamos que nosso colega havia tropeçado em uma pilha de latas vazias dentro do mercado o que despertou o proprietário. Antes que ele pudesse sair pelo telhado o dono do mercado o abordou com uma arma em punho. Desce daí, seu ladrão de araque, senão eu atiro em você. Não teve outro jeito. O coitado foi obrigado a descer e explicar o que estava fazendo dentro do mercado. Levado para a delegacia foi interrogado e se manteve em silêncio mesmo diante da ameaça do severo delegado.
O delegado e o dono do mercado resolveram liberar o larápio depois de dar-lhe uma boa surra. Na visão deles era possível capturar os outros comparsas se o deixasse livre. Ledo engano. Nunca mais vimos nosso colega.
Dias depois desse acontecimento ele se mudou da cidade. Segundo os pais, fora para a casa de uns tios em São Paulo. A única testemunha de tudo isso é a figueira, que segundo informações, foi cortada há pouco tempo.

Texto: Odair

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